

Um recorte ao sul do mapa europeu,
geminado pelos territórios de Portugal
e Espanha, exibe uma história
cinematográfica distinta em linguagem
narrativa e semelhante latinidade
Na nova safra do cinema português, Miguel Gomes transita entre a linguagem documental e
a fantasia, como na trilogia “As Mil e uma Noites”, um de seus trabalhos mais prestigiados
A
proximidade geográfica luso-espanhola movimenta as coproduções na indústria
do cinema, diluindo suas fronteiras artísticas. Diretores, atores, roteiristas, entre
profissionais da sétima arte, fazem ponte em ambas as direções. No entanto, o
que se assiste nas telas são produtos de características próprias, autênticas que, desde a
primeira cena, já distinguem sua nacionalidade, muito além dos clichês folclóricos.
Pouco difundida no Brasil, com exibição restrita aos circuitos de artes, mostras e festivais,
a cinematografia portuguesa tem história secular. Não muito tempo depois da sessão
inaugural dos irmãos Lumière, em 1896, em Paris, o cinema desembarca em Portugal e
estreia sua filmografia com o título “Aspectos da praia de Cascais”, de Manuel Maria
da Costa Veiga, exibindo imagens do Rei Dom Carlos à beira do litoral. A linguagem
construtiva ganha substância com José Leitão de Barros que, em 1929, realiza o
documentário “Nazaré, Praia de Pescadores” inserindo o mar como personagem principal.
Foi o começo de uma produção que atravessou os anos revelando talentos e temas
instigantes. Manoel de Oliveira é a melhor exemplificação dessa galeria de cineastas
lusitanos. Dono de uma produção incessante (viveu até os 106 anos), deixou um
legado de luz, som e roteiros brilhantes. Sua primeira obra-prima, “Aniki Bóbó” (1942)
aponta um genuíno cinema de autor, enquanto “Passado e Presente” (1971), ficção
entre o real e o imaginário, estabeleceu o padrão para toda sua carreira.
Mas o mundo, afetado por conflitos e contestações, desperta movimentos que
sacudiam plateias e formavam opiniões a partir das telas do cinema, pautados por
temas sociais. É o caso do neorrealismo italiano, que ganha a alcunha de Novo
Cinema na produção portuguesa. “Dom Roberto” (1962), de Ernesto de Sousa, e
“Os Verdes Anos” (1963), de Paulo Rocha, estão entre os filmes dessa lavra engajada.
No contraponto, Portugal atravessou o embargo político-cultural nos sóbrios anos
salazaristas. As décadas seguintes seguem opacas.
A atualíssima safra do cinema português recupera o fôlego criativo e reconhecimento
internacional: Pedro Costa e “Cavalo Dinheiro”, João Pedro Rodrigues e “O Ornitólogo”
e Miguel Gomes com a trilogia “As Mil e uma Noites” são referências desse crescimento.
Olhando para o lado no mapa ibérico, o cinema espanhol também atravessou a
castração de uma ditadura e se reinventou contando nas telas sua própria história.
As metáforas políticas de Carlos Saura, passando pelo surrealismo de vanguarda
de Luis Buñuel e os dramas
kitsch
de Pedro Almodóvar formam a tríade dos mais
renomados cineastas da Espanha.
Trajetória iniciada, em 1896, com o filme “A missa das doze horas da Igreja de El Pilar
de Zaragoza”, de Eduardo Jimeno Correas. Uma década adiante, surgem as chamadas
“españoladas”, comicidade e zombaria de costumes como “Baturro Nobreza”, de
Florián Rey (1925). E o riso, então predominante, se esvai. Durante a guerra civil, o
cinema é usado como veículo de propaganda e, sob o regime do general Franco,
instaurou-se a censura que fez com que muitos realizadores se exilassem.
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