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Um exemplo incontestável é o navio francês

Normandie, lançado em 1935 e considerado, até

então, o mais avançado, o mais luxuoso, o mais

espetacular dos transatlânticos do mundo. Salões

e cabines de luxo com até 10 cômodos assinados

pela nata do design e arquitetura da França Art

Déco, possuía, na Primeira Classe, dois locais para

refeições – a sala para mil pessoas sentadas, com

decoração de René Lalique e Auguste Labouret,

num Art Déco feérico, e o Grill-Room, menor, com

pista de dança e móveis tubulares cromados, décor

em geometria futurista, “quase” Bauhaus. E tinha

uma vantagem sobre a sala principal: janelões para

os deques e para a vista.

Foi no Grill-Room do Normandie que, em

fevereiro de 1939, o Rei da Broadway Lee Shubert

recebeu Carmen Miranda para jantar e conversar

sobre o contrato que a levou, meses depois,

para os Estados Unidos. O Normandie, ancorado

por quatro dias em plena enseada de Botafogo,

fazia seu segundo Cruzeiro de Carnaval ao

Rio, deixando a rota tradicional Le Havre-New

York, lotado de norte-americanos ávidos por

conhecer o Rio. Os cariocas podiam subir a bordo

mediante um tíquete e comprovar esse convívio

harmonioso entre os estilos nos anos 1930. O Art

Déco carioca nunca mais seria o mesmo depois

da visita do Normandie.

Em 2009, o Museu Berardo de Lisboa organizou

uma deliciosa exposição, “Art Déco e Seus

Inimigos”, onde designers e arquitetos puristas,

adeptos do “menos é mais”, como Le Corbusier,

Charlotte Perriand, Jean Prouvé, René Herbst, tinham

suas criações contrastando com a produção dos

requintados Ruhlmann, Leleu, Edgar Brandt, para os

quais “quanto mais, melhor”.

Como na minha casa!

Sempre considerei possível o convívio em

harmonia de correntes artísticas antagônicas. A

busca de objetos para dividirem nossa existência

só tem a ganhar em humor e um certo surrealismo

na escolha de “inimigos” que se curtam. Afinal,

não é isso que se chama tolerância?

Discordo! E ao meu lado está Yvonne Brunhammer,

a curadora da primeira exposição que relançou os

estilos, em 1966, “Les Années 25”, no Museu de

Artes Decorativas do Louvre, Paris. Dez anos depois,

trabalhei com Yvonne no “Cinquantenaire de Paris

1925”, até então a mais completa exposição sobre

o Art Déco, e pudemos conversar bastante sobre

essa grande “salada”.

Em 1966, desde a capa do catálogo da “Les Années

25”, Yvonne já enumerava as vertentes que criaram

o ideário do “Estilo Moderno” de que o mundo

inteiro se serviu: Art Déco, Bauhaus, Stijl e Esprit

Nouveau. Tendo sido a Bauhaus do Gropius fundada

na Alemanha em 1919, o Stijl do Mondrian, em

1917, na Holanda, a França traz o Art Déco, surgido

em meados de 1910, celebrado em 1925, em Paris,

na Exposição Internacional das Artes Decorativas e

Industriais Modernas. O Esprit Nouveau também é

francês, comandado pela publicação e divulgado

pelo pavilhão de mesmo nome na icônica Exposição

de Paris. Se o próprio mentor, Le Corbusier, não

se importou em levar seus conceitos puristas e

despojados ao evento que consagrou um estilo

luxuoso, cheio de apelos e referências, por que hoje

teríamos preconceito?

Nos Anos Loucos, que marcam o período 1918-

1939, há espaço para todas as declinações

vanguardistas. Não esqueçamos que o nome Art

Déco aparece apenas em 1958, no livro “Paris

1925”, de Armand Lanoux. Quando surge, no início

do século XX, é chamado apenas de... “Moderno”!

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