

Contam que o picadinho cortado na ponta da
faca, coisa nossa, é fruto da preguiça e do fastio
do Vinicius de Moraes, que cultivava o hábito de
varar a noite de copo em punho e de barriga vazia,
sem qualquer entusiasmo sequer para cortar o filé
com fritas que era disposto em sua mesa cativa no
Antonio’s, templo da boemia dos anos 1970, no
Leblon. Isso até o momento em que alguém teve
a feliz ideia de cortar a carne em cubinhos, espe-
tar no garfo e levar à boca do poetinha. Bingo!
Vinicius se fartou com o prato. E, assim, desse
jeitinho carioca, nascia o picadinho “cortado na
faca”, como me contou Chico Mascarenhas, um
português carioca (ou vice-versa), há quase três
décadas à frente do Guimas, um dos mais emble-
máticos endereços da Zona Sul, feliz junção de
boteco com bistrô. A filha, Domingas, lembra
ainda que arroz de forno é outra grata contribui-
ção local à cozinha brasileira: “Em casa, sobrava
arroz na geladeira e íamos combinando com tudo
mais que víamos pela frente. Batizamos o prato
de ‘Lo que restou’, o bom e velho arroz de forno,
que uma nova geração da família já rebatizou de
Redon. Traduzindo: restos de ontem”.
Por falar em arroz, o La Mole guarda a história
mais genial e longeva de prato
made in Rio
, que
está completando 60 anos. O restaurante, na rua
Dias Ferreira, pertencia a um italiano que se propu-
nha a servir cozinha do Norte da Bota, mais precisa-
mente, do Piemonte. Eram tempos de vacas magras
(magérrimas, para ser mais precisa) escassez total de
produtos importados por aqui (coisa que só foi acon-
tecer no governo Collor de Mello, quando houve a
abertura para importação de insumos) e uma grande
dificuldade para se reproduzir pratos de lá. O mais
emblemático do Piemonte, o risotto, era o mais
complicado deles, porque não havia os grãos do tipo
arbóreo, que naturalmente empapam na panela.
Fazer o quê? Seu Chico, cearense de valor, então
cozinheiro dali (hoje é o proprietário da rede La
Mole), após alguns experimentos, resolveu “empa-
par” na marra o nosso bom e velho arroz agulhi-
nha: adicionou muita manteiga e creme. E deu a
tal da liga dos grãos, que segue fazendo carreira
sólida e próspera. E que ainda atende pelo simpá-
tico nome de arroz à piemontese, homenagem ao
berço do risotto. Arroz à piemontese? Só no Brasil.
Foto: Fernando Veiga
Arroz à piemontese, uma adaptação carioca do risotto que nasceu há 60 anos, no La Mole
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